as mulheres de tijucopapo

  • autoria: Marilene Felinto
  • leitura concluída: ☆☆☆☆

    livro de abril do Leia Mulheres Curitiba & previamente recomendado pela minha amiga genial & que, como de praxe, fiquei enrolando pra ler & quando li me perguntei porque enrolei tanto pra ler etc.

    no básico do básico, a narrativa é um nostos reinventado pros nossos tempos & nossas terras: tá lá, o conceito clássico da heroína cansada de guerra retornando ao lar. mas que heroína! que guerra! que lar! acompanhamos, a galope & entre solavancos, Rísia voltando para o nordeste cheia de São Paulo & de mil-e-um tipos de desamor. a guerra dela é luta cotidiana de classe, de gênero, de raça, mas também de uma perspectiva íntima de desencontro & desencanto & desalento. & o lar pra onde ela volta? terra mítica de amazonas, onde o que se busca é a acolhida ancestral negada por anos & anos.

    nos épicos, o nostos só é bem-sucedido se o herói tem um lar para o qual voltar & consegue, uma vez lá, recuperar seu lugar de direito (cf. Odisseu matando geral & fofocando com a Penélope vs. Agamemnon morto no banho pela Clitemnestra). o que é um retorno bem-sucedido pra uma mulher brasileira, negra, nordestina, pobre? só acompanhando Rísia numa odisseia da memória pra saber.

    pra transformar um tema classicão em uma narrativa contemporânea fresquíssima, a Marilene Felinto usa uma linguagem extremamente bem planejada: cada palavra tem seu lugar na construção de uma mitologia pessoal & coletiva que fala de família & isolamento & amor & desigualdade & origens & mulheres em guerra & culpa & lama. a sequência das frases é feito uma briga de faca: rápida & suja. rápida & suja a fala da Rísia, a memória da Rísia, o mundo que a Rísia habita. as cenas & sensações vão sendo construídas & reiteradas & repetidas de um jeito que, da metade da história pro fim, um combo de duas ou três palavras carrega o peso de capítulos inteiros em outros livros. a gente sabe o que são guaranás inteiros, o sol do meio-dia, andar em pernas de égua, ficar morro não morro, chorar como nunca & chorar como o quê.

    no nosso encontro do Leia, fechamos a conversa lendo alguns trechos favoritos. o que escolhi foi esse aqui, que deixo pra vocês ficarem com vontade de acompanhar a Rísia rumo a Tijucopapo:
    Não vou desrespeitar nunca a menina que existe dentro de mim. A menina que existe dentro de mim está sentada num trono. Minha infância foi grande, de um tamanho sem medida; havia dias de ela me pesar no estômago e eu quase vomitar. Havia noites de ela me derrubar da cama e eu não poder dormir com ela. Espaço. Não há espaço que preencha uma infância. Uma infância são ânsias. Uma infância nao preenche espaço algum, ela não cabe, ela se espalha no que eu sou até hoje, no que vou ser sempre.


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