2666

  • autoria: Roberto Bolaño
  • tradução: Eduardo Brandão
  • leitura concluída: ☆☆☆☆☆ + 🗣

    acabei esse monstro há 5 minutos, então perdoem a emoção. a Parte de Archimboldi é maravilhosa, como essa foto comprova, já que é a que mais tem dobrinhas pra indicar trechos especialmente lindos. eis um deles:

    Eu sabia que escrever era inútil. Ou que só valia a pena se você estivesse disposto a escrever uma obra-prima. A maior parte dos escritores se engana ou brinca. Talvez enganar-se e brincar sejam a mesma coisa, duas faces da mesma moeda. Na realidade nunca deixamos de ser crianças, crianças monstruosas, cheias de machucados, de varizes, de furúnculos, de manchas na pele, mas as crianças afinal de contas, isto é, nunca deixamos de nos aferrar à vida pois que somos vida. Também se poderia dizer: somos teatro, somos música. Da mesma maneira, poucos são os escritores que renunciam. Brincamos de ser imortais. Nós nos enganamos no julgamento das nossas próprias obras e no julgamento sempre impreciso das obras dos outros. A gente se vê no Nobel, dizem os escritores, como quem diz: a gente se vê no inferno.
    Uma vez vi um filme americano de gângsters. Numa cena um detetive mata um malfeitor e antes de disparar o tiro mortal diz a ele: a gente se vê no inferno. Está brincando. O detetive está brincando e se enganando. O malfeitor, que o encara e o insulta pouco antes de morrer, também está brincando e se enganando, embora o campo de brincadeiras e o campo de enganos dele tenham se reduzido quase ao zero absoluto, já que no plano seguinte vai morrer. (p. 748)
    e, já que eu dei um resuminho das outras partes no post anterior, acho que vale dizer que essa é sobre escrever & o que á literatura & o que é vida & como elas se tocam & como lidar com horrores particulares & coletivos (não necessariamente como superar!) & incrivelmente, sobre o papel dos editores nisso tudo (puxando a sardinha pro meu lado, né?). descobrimos quem era o tal Archimboldi, quais as inspirações dele, por que não tinha interesse na fama ou na crítica das suas obras, como ser alemão na Segunda Guerra impactou a visão de mundo dele, se ele foi ou não pra Santa Teresa, qual a conexão desse escritor misterioso com os feminicídios.

    ao invés de amarrar as pontas soltas das outras partes, o que acontece aqui é desfiar mais pontas, mas também criar novos laços & nós. a vida é isso, né? a gente esbarra no horror & no sublime sem nem perceber & muitas vezes esses dois estão colados.

    aliás, pra quem ainda não sabe: minha cachaça é livro com múltiplas narrativas (polifonia, multiperspectivismo, etc.), tramas emaranhadas que se tocam de levinho, com narradores & protagonistas & figurantes que ondulam, submergem, emergem. porque é, pra mim, o melhor jeito de espelhar & analisar & complementar a realidade, toda, toda quebrada. então imaginem minha expectativa quando, com o livro já em mãos, descobri que 2666 era, na verdade, cinco livros. e o deleite de ir de parte em parte, encontrando os reflexos & contrastes & caçando quem era quem. aiai.

    mantenho que achei desnecessário quase 300 páginas de mulheres mortas, mesmo pra dar o tom de desespero que o tema merece, mas entendo a escolha do Bolaño. é, sim, um livro incrível, que merece a dedicação necessária pra ler. e dedicação no pós-ler também, porque sinto que preciso pesquisar temas & buscar análises porque ainda tem caroço no angu (tipo: qualé a desse título?!?), mas é um angu delicioso. enfim, 5/5, berro, grito, cabeça explodindo, leria novamente. você gosta de histórias abertas, ficar desconfiado do narrador, ler uma história dentro de uma história dentro de uma história? recomendo.


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