a composição do sal

  • autoria: Magela Baudoin
  • tradução: Nylcéa Pedra
  • leitura concluída: ☆☆☆☆

    gosto muito de contos & vários dos meus escritores favoritos são exímios contistas (Margaret Atwood, Julio Cortázar, Ali Smith, Mariana Enriquez et al.). sei bem que livros de contos, salvo raras exceções, nunca são 100% equilibrados. quer dizer, nunca têm todos os contos ótimos nem todos os contos medonhos. mas sempre pendem pra um lado ou outro, né? e esse pende, muito, pro lado ótimo.

    li essa belezura, editada pela independentíssima Arte&Letra, para o Leia Mulheres de Curitiba deste mês. clubes de leitura, ainda mais com a curadoria primorosa que a Manu faz, são maravilhosos porque colocam pra gente possibilidades & experiências em que não chegaríamos por conta. acho que mesmo sendo literalmente vizinha da editora & estando na vibe literatura latina há anos, essa coleção tinha altas chances de passar batida por mim. & que pena seria(!), gente.

    em 139 páginas, temos 15 contos que são curtos & complexos na mesma proporção. temos crianças taciturnas, cineastas sinistros, pais órfãos dos filhos, ônibus desgovernados, romances em diferentes níveis de crise, metrópoles & povoados áridos. o nível de domínio da escrita que é necessário pra um autor te envolver com uma narrativa que só dura 3 ou 4 páginas é altíssimo. e a Magela faz horrores com esse espacinho. (assim como a terra natal dela, a Bolívia, também faz horrores no espacinho deles.)

    pra mim, a história mais maravilhosa é Moebia, em que Magdalena narra/é narrada uma Enorme Desventura na Prisão. narrativas em segunda pessoa são flechas que podem ser muito certeiras ou voar quilômetros longe do alvo, porque dependem muito de convencer o leitor que a história é pra ele, dele, com ele. olhem só o que a Magela faz (e a Nylcéa traduz lindamente):
    Não. Você não foi ingênua Magdalena. Há na ingenuidade inocência e desconcerto. E você nunca foi inocente. Você pode dizer, se isso te tranquiliza, que para você Moebia tinha deixado de ser a encarnação do horror, do mal moral, da putrescência. Que Moebia já não era uma prisão, mas apenas uma construção arcaica, um palácio labiríntico com suas torres e com seus muitos quartos semelhantes a colmeias de barro. Que, no extremo mais inverossímil, você vivia em uma espécie de mundo paralelo, sem presente nem futuro, sem se importar que ali se misturassem todas as línguas e ralés e que habitassem homens, mulheres e crianças com uma promiscuidade de serpentário.
    eita, né? o conto título da coleção também é sublime, muito delicado, delineando em água & sal como um senhor(zinho) lida com súbitos surtos de choro. como a sensibilidade aflorada afeta quem está acostumado a abafar & mimizar as dores? como o nascimento de um neto evoca a morte de um filho? como achar o mar numa cidade sem litoral?

    enfim! sábado é nosso encontro do Leia & estou ansiosa para trocar ideias com as parças. se você nunca fez leitura coletiva ou participou de clubes de leitura, recomendo muito procurar um Leia Mulheres pra chamar de seu <3


  • Comentários