ensinando a transgredir

  • autoria: bell hooks
  • tradução: Marcelo Brandão Cipolla
  • leitura concluída: ☆☆☆☆☆

    nem só de ficção vive a leitora, em especial esta senhora que tem mil interesses & está prestes a começar uma segunda graduação.

    um pouco (mais) sobre mim: comecei a ler essa coletânea de ensaios em maio, um pouco depois da minha aprovação no SISU para Pedagogia. faz mais de 15 anos que terminei minha primeira graduação, Licenciatura em Letras, então não tinha muita fé de que ia conseguir entrar, mas não faltava vontade. por quê? porque quando fiz Letras, eu queria era ser pesquisadora, ou sei lá, qualquer coisa... fora professora. achei que isso não era pra mim, tanto por eu ser super tímida & ter zero traquejo social, quanto por ter a autoestima lá no pé (pensamento: eu mal sei o suficiente pra mim, como vou saber pra ajudar os outros?). então minha atenção nas aulas relacionadas à educação era só o mínimo necessário pra passar. mas aí eu comecei a dar aula (por necessidade, né, pois Letras) & tudo mudou. porque era pra mim. porque eu não era tímida junto dos alunos. porque eu não só sabia pra mim & pra ajudar os outros como estava mais que disposta a correr atrás do que não sabia & aprender mais & mais.

    (aliás, quando eu era criança, uma das coisas que eu "queria fazer quando crescer" era estudar pra sempre - além de ser cantora de ópera & estilista & ser rica o bastante pra ter um carro voador - & quem é que tem que estudar mais do que quem trabalha com educação, né?)

    enfim. os cães ladram, as caravanas passam & com o tempo eu saí da sala de aula pra trabalhar com material didático. (pra mim, lá no fundo, isso é um jeito de ser professora de 40.000 alunos ao invés de 40!) & tive que estudar mais pra poder ajudar não só os alunos, mas também meus parças, os professores. & lá vai correr atrás de embasamentos teóricos, possibilidades práticas, vertentes & metologias mil, diretrizes governamentais & documentos legais etc. & um dia me veio essa iluminação, de que eu poderia ser uma profissional da educação melhor, uma pessoa melhor, mais ativa nas coisas que me importam, se eu soubesse... mais. & com apoio. & lá da base. então: Pedagogia.

    voltando ao livro! ao longo dos ensaios, a bell hooks apresenta as experiências & reflexões dela como aluna, assim como as práticas & os embasamentos que ela adotou como professora universitária antirracista & feminista. a ideia de que o ambiente acadêmico estadunidense reproduz & reforça a hierarquia da sociedade capitalista é um ponto central, assim como a gama de estratégias & possibilidades que professores & alunos podem experimentar para tornar esse ambiente & as relações que ocorrem nele mais humanas, proveitosas, críticas & livres. &, portanto, transgressoras do status quo.

    alguns dos textos foram difíceis para mim, por tratarem de conceitos complexos & situações particulares à academia estadunidense que demandaram um tanto de pesquisa & reflexão antes de seguir para a próxima página. mas outros foram muito próximos, ultra-acessíveis, como se ela estivesse do meu lado, dentro do busão a mil por hora voltando pra casa tarde da noite, cansada depois da aula. olhem esse trechinho de um ensaio intitulado "Confrontação da classe social na sala de aula":

    É claro que entrei na faculdade com a esperança de que o diploma universitário promovesse minha mobilidade social. Mas eu só a concebia em termos econômicos. No começo, não percebia que a classe era muito mais que a condição econômica da pessoa, que determinava seus valores, seus pontos de vistas e seus interesses. Partia-se do princípio de que todo aluno pobre ou proveniente da classe trabalhadora abandonaria de boa vontade todos os valores e hábitos associados à sua origem. Os que tinham uma origem étnica/racial diferente aprenderam que não podiam dar voz a nenhum aspecto de sua cultura popular nos ambientes de elite. Isso valia especialmente para o modo popular de falar [...].
    As pessoas de classe trabalhadora que estão na academia adquirem poder quando reconhecem que são agentes, reconhecem sua capacidade de participar ativamente do processo pedagógico. Esse processo não é simples nem fácil: é preciso coragem pra abraçar uma visão da integridade do ser que não reforce a versão capitalista segundo a qual sempre temos de renunciar a uma coisa para ganhar outra.

    também há um ensaio maravilhoso sobre a língua (inglesa em particular) como ferramenta de dominação, mas também de rebelião, que não vou nem tentar citar aqui porque sou incapaz de escolher um trecho só. o que a bell hooks propõe & narra & discute vai diretamente ao encontro de tudo que acredito quanto ao ensino de língua & à valorização do aluno como falante, seja da língua materna ou de línguas adicionais: língua é identidade & (tentar) abrir mão da identidade para se comunicar não faz o menor sentido fora da cagação de regra que é a língua "padrão" elitizada. tendo trabalhado por anos com a língua inglesa na educação básica, posso dizer que o nível de arrogância & pró-colonialismo de muitos profissionais da área é atordoante. mas é igualmente potente a luta daqueles que entendem, como afirma a bell hooks, que podemos tomar a linguagem do opressor & voltá-la contra si mesma. é por meio da língua que a gente se encontra, se toca, se mostra & se esconde. o que eu quero fazer como Pedagoga é ver a língua desabrochando nas crianças & descobrir como ajudá-las a desabrochar mais & mais.

    então, se você tem interesse em educação ou línguas ou luta de classes ou luta antirracista ou feminismo ou como colocar a teoria na prática, esse livro também é pra você. 5/5!


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