her body and other parties (o corpo dela e outras farras)

  • autoria: Carmen Maria Machado
  • releitura: ☆☆☆☆☆ + ❤❤❤

    sábado tem Leia Mulheres Curitiba de novo & a leitura deste mês é um dos meus livros mais queridos, a primeira coletânea de contos da minha mina Carmen ❤, publicada aqui no Brasil como O corpo dela e outras farras, com tradução do Gabriel Brum.

    eu tenho a edição gringa, com essa capinha sinistra aí do lado (não que a brasileira não seja também, mas essa ambiguidade de corset voador assassino & ilustração anatômica de pescoço tombando é incomparavelmente kitsch), que foi autografada na FLIP entre um surto & outro. aliás: gostaria de agradecer novamente a minha amiga genial© por ter me dado uns chacoalhões quando eu estava com o sistema 100% nervoso & ter me feito ficar na fila até o final ao invés de me deixar sair correndo & gritando em chamas.

    tenho quase certeza de que cheguei nesse livro vendo as listas de indicados a premiações literárias: ele ganhou o Shirley Jackson Award de 2017, um dos meus prêmios favoritos (suspense psicológico! horror! mal-estar geral & íntimo! gótico contemporâneo!). além disso, o fato da Carmen ser quase xará do nosso (Joaquim Maria) Machado de Assis é tentador demais pra essa leitora que vos fala. pra mim, prêmio + autora de nome intrigante + capa sinistra é um jeito garantido de entrar na lista de leituras.

    pois bem, vamos às farras: os contos são principalmente sobre corpos de mulheres & o que nós mesmas fazemos com eles & o que os outros fazem com eles & como eles são casas mais ou menos assombradas & precisando de reforma & ensolaradas & sombrias & com porão assombrado por nós mesmas. cada história é, a seu modo, erótica & tensa & delicada & aterrorizante & plena de crítica social & simbolismo & mistério sem ser engessada por nenhuma dessas características. a Carmen se identifica como queer & há várias personagens pra quem o menor dos problemas é ser queer. ela é uma autora que sabe sobre o que quer falar & está disposta a procurar o melhor jeito de abordar & desdobrar esses temas usando as mirabolâncias narrativas que forem necessárias.

    a primeira história é quase um conto de fadas da Angela Carter: a narradora, além de ter uma misteriosa fita verde no pesçoco, é basicamente a definição de assertiva no dicionário. ela sabe o que quer & quem quer & como quer. & quer tanto ser a dona na própria narrativa que já começa explicando pro leitor que tipo de voz cada personagem deve ter. & ser dona da própria narrativa significa também rever as diferentes histórias que ouviu & se aproximar ou se afastar das mulheres retratadas nelas. o que é ser boa moça? pra onde vão as garotas más? o que fazer quando você está disposta a dar quase tudo pra outra pessoa, mas o que ela quer é exatamente esse quase?

    o conto seguinte é uma distopia(!) pandêmica (!!) em que uma mulher isolada numa cabana relembra & lista todas todas as suas experiências sexuais (!!!). conforme o contato humano se torna mais & mais raro, maior é a importância do toque & o peso dessas lembranças. beijo em amiga? tem! namorado palestrinha? tem! casamento lésbico? tem! gurus do apocalipse? tem! outro conto semi-pandêmico tem uma "doença" mais misteriosa, que só atinge as mulheres: elas começam a desaparecer, desvanecendo lentamente no ar. dar um jeito de manter um mínimo de presença quando seu corpo está literalmente se sublimando não é pra todo mundo. também tem um conto longuíssimo & louquíssimo que é uma sequência de sinopses reimaginadas pro Law&Order SVU com fantasmas bizarros de garotas assassinadas. (não ler esse depois da meia-noite, OK?)

    acho que o conto de que eu mais gosto é o de uma escritora que vai passar uma temporada em uma dessas residências artísticas isoladas, coincidentemente localizada no mesmo lago do acampamento que ela frequentava quando era infanta & onde algo aconteceu. tem memórias distorcidas, neblina, solidão, dificuldades criativas, colegas chatos demais, trope-da-mulé-louca-no-sótão, bolhas cheias de pus, despertar queer, coelho partido ao meio, arte-pela-arte. enfim. tudo que a gente quer quando vai escrever um romance no meio do nada, né?

    além de obviamente recomendar a leitura dessa coletânea (5/5, berro, releria mais mil vezes, morta-defunta de amores), também superindico o quadrinho que a Carmen escreveu, The low low woods (ainda não publicado no Brasil), em que duas amigas lésbicas vivem bizarras desventuras numa cidadezinha em chamas há anos, e o livro de memórias Na casa dos sonhos, traduzido pela Ana Guadalupe, que destrincha uma relação queer abusiva com um bisturizinho de diamante. fiquei até sem ar lendo esse livro porque além do tema ser muito tocante, as estratégias narrativas que ela usa são um desbunde. como não canso de falar, minha cachaça é mais como narrar do que o que narrar, & as coisas que a Carmen faz, só ela faz. aiai.

    pra fechar, deixo aqui essa foto icônica, na qual eu estava tendo uma síncope & aparentemente aterrorizando e/ou chocando uma das minhas autoras favoritas da vida:




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