a floresta sombria (& o problema dos três corpos)

  • autoria: Cixin Liu
  • tradução:Leonardo Alves
  • leitura concluída: ☆☆☆☆

    gosto enormemente de ficção científica & especulativa & estranha, histórias que usam tecnologias & desdobramentos sociais & científicos como lupa pra analisar de pertinho os preconceitos, modelos, sonhos, ideologias & outras carcaças que a gente vai vestindo sem nem perceber. me desafia de um jeito muito delicioso ser colocada diante de possíveis futuros (próximos ou distantes, utópicos, distópicos ou um meio-termo ustópico) que forçam reflexões sobre o que é / era / será a humanidade, a natureza, o tempo, a civilização, etc. então é zero supresa que entre meus autores favoritos da vida estão a Ursula LeGuin e a Margaret Atwood, assim como o Isaac Asimov e o Jeff Vandermeer.

    achar que sci-fi (ou quaquer literatura "de gênero") vale menos do que literatura "literária" é uma FALÁCIA ABSURDA. ficção científica pode ter um mix de engenho & arte & poéticas & estratégias narrativas & camadas de trabalho que não perde nada pra um classicão estrelado. que fique claro: não me interessam aliens que chegam quebrando tudo & são derrotados no último momento por pura sorte ou fibra inigualável de um Grande Herói, basicamente um filme de ação high-tech (exemplo: Independence Day), mas sim aliens que chegam sem ninguém saber como nem por quê, dando uma tesoura voadora na geral, mas por dentro (exemplo: A chegada). tem preconceito com ficção científica, mas está disposta a dar uma nova chance diante desse meu estranho amor? minha recomendação eterna: A mão esquerda da escuridão, da LeGuin. na verdade, qualquer coisa da LeGuin, maior #ficaadica do século. pra quem tiver menos tempo e/ou mais pressa, tem um conto clássico dela disponível no site da Morro Branco, traduzido pela inigualável Heci Regina Candiani: Aqueles que abandonam omelas.

    MAS TERGIVERSO (como diz a Liv Strömquist). voltando aos livros deste post: eu tinha ouvido falar da trilogia do Cixin Liu faz algum tempo, provavelmente por causa dos prêmios que ganhou (sim, amigos, eu sou maria-preminho) & ficou lá no fundo da mente. no começo do ano, estava com vontade de ler sci-fi & teve uma feira de livros online & eu achei por um lapso mental que o Cixin Liu fosse uma autora que eu poderia encaixar no #desafioleiamulheres2021 (!!!) & comprei o primeiro livro da trilogia, O problema dos três corpos.

    o começo da história é bem complicado, ou pelo menos foi uma leitura complicada pra mim, que não tenho muito repertório sobre a história da Revolução Cultural na China & não manjo nada de física teórica, porque muito do enredo é absolutamente enjambrado com esses temas. umas páginas eu tive que ler três ou quatro vezes pra entender o mínimo pra seguir adiante, mas em outros momentos apenas aceitei que não ia sacar mesmo & só fui. persisti na luta porque dava pra sentir que a proposta era incrível: tem esse jogo em realidade virtual louquíssimo que é total hype com os cientistas chineses no qual você tem que lidar com a realidade de um planeta com (ta-da) três sóis, que tornam impossível ter estações do ano/dias/meses minimamente regulares para se planejar & desenvolver a civilização. tipo Game of Thrones, mas elevado a milésima potência. & tudo leva a crer que o jogo não seja só um jogo. na tentativa de não dar (muitos) spoilers, resumo fracamente: várias pessoas que não têm motivos pra ter muita fé na humanidade vão passando por coisas sinistras & misteriosas que envolvem burocracias da academia, militares, visagens, assassinatos, coisas escritas no ar(!), tretas de Estado, (talvez) alienígenas, suicídios mil, ondas sonoras, comunistas, policial ninja de filme noir, nanotecnologia vs. navios enormes etc. isso tudo no primeiro livro.

    no segundo, A floresta sombria, que terminei ontem, a coisa vai totalmente & literalmente pro espaço. muitos dos mistérios do primeiro se resolvem, mas eles só abrem espaço pra mais tretas & mais riscos & mais gente que não tem fé na humanidade tendo o poder de decidir o que vai acontecer com ela. vários dos protagonistas têm até mesmo a oportunidade de entrar em hibernação para ser despertados mais além & poder se meter na história quando o circo estiver pegando fogo mais intensamente. as discussões sobre o que é humanidade & que partes dela merecem/devem persisir são maravilhosas. achei a parte cultural & social mais fácil de entender nesse volume, & novamente apenas aceitei que não ia entender vários conceitos de física por trás das mirabolâncias que acontecem, o que acho que não diminuiu (muito) minha compreensão & o prazer da leitura. nesse livro temos tudo que tinha no outro e mais: futricos da ONU, ainda mais militares, gambiarras nucleares, muitos blefes & poker face, um sujeito que usa poderes ilimitados pra morar na casa dos sonhos (!) & casar com a mulher perfeita (!), zero gravidade, cidades subterrâneas, caos, balas feitas de meteoritos, & belonaves, que é uma das palavras mais lindas que já li.

    além do nível de complexidade das questões científicas, outra coisa que me deixou meio insatisfeita é o desenvolvimento dos personagens. praticamente todo mundo é um bonequinho unidimensional, caracterizado por Uma Grande Qualidade & Um Grande Defeito que não mudam nem se aprofundam, independente da quantidade & da qualidade das tretas que eles enfrentam. entendo que aqui houve uma escolha do autor em dar foco ao enredo em si, que é realmente galopante & cheio de dobrinhas, mas senti falta de um mundo interno que espelhasse as maravilhas & horrores do externo. acho que a LeGuin me deixou mal-acostumada.

    de todo modo, o livro final da trilogia, O fim da morte, já está na fila de leitura. recomendo? sim! 3.5 - 4 estrelas até o momento. mas tem coisa mais bacana orbitando o mundo da ficção científica, se você quiser...


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