breasts and eggs

  • autoria: Mieko Kawakami
  • leitura concluída: ☆☆☆☆

    por que as pessoas têm filhos? o que é ser mulher (em especial uma mulher pobre, em um sociedade rigidamente patriarcal) & o que isso tem a ver com o que meu corpo é capaz de fazer & o que eu decido fazer com ele? é com essas perguntas simplinhas que a Mieko Kawakami bate na gente o livro todo, às vezes com uma flor, às vezes com um machado. é uma história cheia, cheia, cheia de mulheres, & cada uma, como na vida real, tem respostas que vão mudando conforme os embates que os corpos delas encontram no mundo.

    nossa protagonista é a Natsuko, que se mudou de Osaka para Tóquio há tempos na esperança de ser escritora (outra pergunta boa da Mieko: o que é ser escritor - escrever ou publicar?), mas que vive de trabalhos temporários que mal pagam o aluguel do microapartamento em que ela mora. ao longo das páginas, vemos ela lutar para terminar um romance, conseguir enfim publicar um livro de contos, encher a cara, perder a paciência em eventos literários, stalkear um ex no facebook, ficar amiga de uma editora que está animada com o potencial de escrita dela, ficar obcecada por inseminação artificial & doação de esperma, ser destratada horrivelmente pelas pessoas quando não alcança as expectativas delas, lembrar com carinho da mãe & da avó, encontrar ex-colegas de trabalho pra fofocar & comer galettes, mandar e-mail bêbada, andar em rodas gigantes, olhar com gentileza para as feridas dos outros & com horror pras próprias, frequentar banhos comunitários. mas, principalmente, acompanhamos as engrenagens da cabeça dela lutando com a dúvida: ela deveria ter um filho? JUSTIFIQUE SUA RESPOSTA.

    pra abrir os debates, na primeira parte da história, a Natsuko recebe a visita da irmã mais velha, Makiko, e da sobrinha de 12 anos, Midoriko. Makiko, uma hostess envelhecida em um bar caído em Osaka, está em Tóquio para visitar uma clínica de cirurgia plástica, interessadíssima em colocar implantes nos seios & dar um jeito nos mamilos que são escuros & grandes "demais". Midoriko, que acompanha a mãe em um silêncio 100% julgamento, mantém um diário onde reflete sobre as aulas de educação sexual que tem recebido na escola & a realidade do próprio corpo & do corpo da mãe. no caderninho, ela faz umas perguntas adolescentes maravilhosas, como:
    It feels like I'm trapped inside my body. It decides when I get hungry, and when I'll get my period. From birth to death, you have to keep eating and making money just to stay alive. I see what working every night does to my mom. It takes it out of her. But what's it all for? Life is hard enough with just one body. Why would anyone ever want to make another one?

    [...]

    Here's what I don't get, though. In all the books and all the drawings, I can see the fallopian tubes, looking like hands, but how do the eggs get out of the ovaries and travel down the tubes? I read somewhere that the egg basically shoots out, but how? There's a space. What's going on in there? What's there to stop the eggs from falling into other places? [...] I wish I could rip out all those parts of me, the parts already rushing to give birth. Why does it have to be like this?
    na segunda parte, a Natsuko encontra & relembra várias outras mulheres com experiências de vida & perspectivas que complementam & colocam em cheque & se alinham às dela. temos a editora de meia idade que acha que ter filhos impede que escritoras criem "arte de verdade". a amiga que é obrigada a se mudar para o interior acompanhando o marido doente que fez pouco caso quando ela teve depressão pós-parto. a mãe, que teve de fugir dos credores do pai que havia abandonado a família, & que com frequência não tinha como alimentar as filhas. a matriarca que força a nora a cuidar dela na velhice. a ativista pelos direitos dos filhos de "doadores de esperma" que foi abusada na infância & vê a maternidade como uma irresponsabilidade que beira o criminoso. a autora popular que leva a filha bebê para os lançamentos dos seus best-sellers. tem homem? até que tem, mas eles são tão tangenciais que nem vale a pena falar muito.

    eu, que já estou quase passando da idade de procriação, amei esse temporal de argumentos pró & contra a maternidade. a Natsuko repete várias vezes que ela não quer ter um filho, ela quer conhecer esse filho, o que é uma visão bem poética de uma coisa que é tão visceral, mas o que mais me marcou foi essa fala, de alguém que está com zero vontade de colocar mais uma pessoa no mundo:
    You're betting that the child that you bring into this will be at least as happy as you've been, at least as fortunate as you've been, or, at a minimum, that they'll be able to say they're happy they were born. Everyone says life is both good and bad, but the majority of people think it's mostly good. That's why people go through with it. [...] But that's just people believing what they want to believe. For their own benefit. The really horrible part is that this bet isn't yours to make. You're betting on another person's life. Not yours.
    pois então:4/5, maternidade, pobreza, peitos & óvulos, botecos, alta literatura x literatura comercial, ressaca, escritores escrevem, menstruação, jantares, litros de mugicha, metrô socado, família, karaokê, sororidade no sentido mais estrito da palavra.


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