as três marias

  • autoria: Rachel de Queiroz
  • leitura concluída: ☆☆☆

    incrivelmente, li esse daqui para uma atividade de História da Educação (do curso de Pedagogia, porque não tenho mais nada pra fazer do que inventar uma segunda graduação, claro): na listinha de obras que a gente podia escolher para fazer uma análise considerando as discussões & leituras do semestre, essa era a mais recente & a única que tratava especificamente de educação de mulheres, então foi uma escolha fácil. acho que só tinha lido a Rachel para o vestibular (o que não ajuda leitor a gostar de autor nenhum), então foi uma surpresa positiva como foi rápido & fácil de ler essa história, cheia de personagens complexas & que fazem as escolhas que podem, com as opções existentes.

    num resuminho bem resumido, o livro é um "romance de formação" sobre três meninas que estudaram juntas num internato de freiras de Fortaleza no comecin do século XX & aí seguem a vida que conseguem seguir. os caminhos eram poucos? eram, mas cada uma fez o seu.

    a Maria Augusta, nossa narradora Guta, é mais vida loka: é palpável o horror que ela tem da vida de mãe-esposa-do-lar que está esperando logo ali na esquina, então ela faz várias "loucuras" que são a cara do século XXI, tipo ficar na bad quase o tempo todo, arrumar um emprego mequetrefe pra sair da casa do pai, ter um affair com um pintor casado, viajar sozinha para o Rio de Janeiro com direito a SEXO NA PRAIA etc. já a Maria da Glória é bem protagonista de romance de época, perfeitamente conformada & adequada: órfã poética que usa um broche com a foto dos pais mortos, toca violino tristemente, sai da escola direto pra casar, tem filhinhos & uma casa linda etc. & a coitada da Maria José é uma figura de puro recato & devoção, que dá aulas numa escola de periferia pra sustentar a mãe & os irmãos & se agarra na religião pra ter um pingo de consolo.

    além dessas três, ainda tem várias outras figuras que passam pelo internato, incluindo as próprias freiras & um punhado de alunas "de caridade". em um lugar onde quem tem dinheiro estuda francês & quem não tem aprende a bordar enxoval alheio, era de se esperar que a convivência entre classes & futuros & possibilidades fosse um fiozinho tenso prestes a arrebentar, mas não. a maioria das personagens está conformada com seu quinhão - exceto a Guta e algumas "mulheres caídas" que são rapidamente punidas pelas suas transgressões. enfim, pra uma suposta antifeminista, a Rachel de Queiroz fez uma crítica ótima da treta sem fim que era ser mulher naquele momento - já que, convenhamos, ela era efetivamente uma mulher naquele momento. aliás, toda análise do livro faz questão de reforçar que a história tem muito de autobiográfico, com gente até indicando os nomes das amigas de escola da Rachel que serviram de base para cada personagem (sendo ela mesma a Guta, claro 👀).

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