matrix

  • autoria: Lauren Groff
  • leitura concluída: ☆☆☆☆☆

    Maria de França foi o estopim do meu interesse pela escrita de mulheres. no passado distante, numa das mil disciplinas de história da literatura que fiz em letras, soterrada no meio do cânone 200% homem branco morto, tive a surpresa & o prazer de ler o que ela escreveu lá no século XII. sim: doze! ano mil cento & bolinha, a Maria foi & escreveu uma porção de lais (narrativas em verso curtinhas) & fez questão de assinar, dizendo: ó, só pra lembrança, meu nome é Maria & sou de França. mais impressionante ainda: eles sobreviveram!

    daí pensei: tá, cadê todas as outras? por que na literatura antiga, na medieval, na renascentista, na moderna, até na contemporânea, a gente praticamente só lê homem? onde estão os textos das mulheres? se chegaram aqui esses poemas feitos numa das épocas mais tretas pra mulher ler & escrever, cadê o resto?!?

    pois nasceu aí um amor furioso, sem fim nem fundo, por: literatura medieval (traduzi as trobairitz no meu TCC), mistérios editoriais & mulher que escreve.

    tempo vai, tempo vem, em 2021 saiu o Matrix, que rodou em várias listas de premiação & de melhores do ano (no rastro do Fates and furies, romance anterior & premiadíssimo da autora, que também é ☆☆☆☆☆ na minha opinião). & sobre quem, quem, quem? Maria de França!

    existem várias possíveis Marias históricas, então a Lauren Groff escolheu uma & construiu no livro uma vida incrível pra ela: uma bastarda da nobreza, feia & bruta, que cresce no meio de uma família só de mulheres porretíssimas, apaixonada pela rainha Eleanor de Aquitânia (essa também uma figura medieval fenomenal!) & que vira abadessa de um convento.

    lá, ela tem visões místicas heréticas, dá pras freiras uma vida de sonho (trabalho, cultura, respeito), vive paixões lésbicas ferventes & constrói mirabolâncias arquitetônicas, incluindo um labirinto pra manter o convento a salvo do horror das cruzadas & tretas da nobreza. acho que é a vida que Maria do meu coração merecia - sofrida, mas plena. olhem só essa cena, quando a Eleanor manda a Maria para o convento:

    Her cold eyes rimmed black bored into Marie; Marie had no courage to look back. The queen told Marie to have faith, in time Marie would make a rather good nun. Anyone with eyes could see she had always been meant for holy virginity. [...]
    Marie, now knowing what else to do, took the small white hand in her great rough ones and kissed it. Such things wrestled inside the girl. She wanted to take the soft flesh in her mouth and bite it to blood; she wanted to strike the hand from the wrist with her dagger and guard it as a relic in her bodice for eternity.
    & esse trecho aqui, que descreve uma das visagens da Maria:
    Before my eyes fell a vision of the beginning of the world.
    As this vision was of the radiant immensity of God brooding over the dark face of the waters, a great hen.
    And from this brooding there fell the shining eggs of creation. And the eggs cracked and out of the shells there spilled what had been held inside each. And in the first was light split into day and into night, and from the second came the skies.
    a única coisa de que senti falta foi ter um detalhamento maior do período em que ela escreveu os lais, já que são os textos mais famosos que ela produziu. é tudo muito vapt-vupt, logo no começo do romance, & depois eles nunca mais são mencionados. mas, em compensação, a ideia da Lauren Groff de que a Maria escreveu os poemas pra seduzir a Eleanor foi uma sacada incrível. afinal, como conquistar uma rainha apaixonada por literatura, patrona de mil poetas & símbolo máximo do amor cortês? com poemas de amor, né. olha só o túmulo dela - a Eleanor vai passar a eternidade segurando um livro!

    pra fechar, aqui tem: romance histórico feminista, freiras lésbicas, medievalismo, rotina monástica, labirintos, arquitetura medieval, cruzadas, o poder da escrita, visagens da virgem maria, jogos de poder, deus é uma galinha (!)

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