mundo barbie

  • autoria: Denise Duhamel
  • tradução: Miriam Adelman, Julia Raiz, Emanuela Siqueira
  • leitura concluída: ☆☆☆☆☆ + chorrindo

    pra fechar o ano eu queria alguma coisa não muito pesada mas também não muito leve, nada muito longo nem muito curto, nem muito simples nem muito complexo. dureza, né? mas acertei a mão, hein. peguei esse volume de poesia crítico, cômico, satírico & que desce redondinho, presente da querida Manu (rainha das pesquisadoras de tradução & tradutora extraordinária & mediadora de leituras dos sonhos), pra quiçá ser a última leitura finalizada em 2021.

    eu, que nunca tive uma Barbie real_oficial (só as primas latinas que vinham pela fronteira do Paraguai), ri horrores com os percalços da musa plástica & os espelhos concavos & convexos que a Duhamel usa pra refletir a realidade. todo mundo já ouviu aquela história de que se existisse uma mulher real com as proporções da Barbie ela não ia conseguir andar e/ou menstruar e/ou sairia voando na primeira ventania. mas o que esses poemas fazem é muito além de transpor a boneca pro dia a dia - na verdade, é bem o caminho contrário: jogar o caos do dia a dia em cima de alguém (supostamente) sem autonomia.

    vejam só esse trechinho de Barbie literária:
    Quando Barbie lê A Metamorfose do Kafka,
    seu corpo inteiro dói. Ela se identifica
    com Gregor Samsa, o caixeiro-tornado-inseto
    que tenta explicar a transformação
    à família, mas só consegue
    soltar uns ruidinhos de inseto. Quantas vezes
    esse tipo de coisa aconteceu com ela.

    ou essa maravilha de Barbie bissexual:
    Uma a cada 10 Barbies é canhota,
    outras 10% são lésbicas.
    Mas é difícil contabilizar as bissexuais -
    sua orientação é em geral secreta e, se evidente,
    ainda assim difícil de detectar. As Barbies se vestem uma na frente da outra
    e os estatísticos nada pensam sobre isso.
    É comum que duas Barbies compartilhem um saco de dormir ou uma cama de casal
    porque há duas vezes mais Barbies do que Kens.

    fiquei aqui rindo & pensando com um ruinzinho na garganta nas vezes em que ouvi (ou pensei) que "Fulana é uma Barbie", porque é engraçado ha-ha, mas é também o Outro Engraçado, sabem? ainda por cima, como bônus, achei os poemas um complemento ótimo pras discussões sobre corpo (como sujeito & como objeto) do breasts and eggs. é uma conversa que a gente nunca acaba de ter, isso do processo de "tornar-se mulher", ou mesmo de rejeitar esse processo. um dos poemas fala daquela versão de boneca "grávida" que tinha uma barriga sinistra giratória - vocês lembram? eu tive uma & me aterrorizava imensamente. principalmente porque dava pra colocar qualquer coisa na barriga oca ao invés do bebê sinistro que vinha na caixa. ENFIM. reflexões mil.

    em resumo: 5/5, poesia em edição bilíngue, capa lindíssima, rindo de nervoso, cabeças destacáveis, papéis de gênero, glamour & mansões cor-de-rosa, que brinquedo é esse?, mulheres mulheres mulheres, deixe a criança em paz.

  • Comentários