the edible woman (a mulher comestível)

  • autoria: Margaret Atwood
  • leitura concluída: ☆☆☆☆

    finalizada a primeira leitura do PLAt! esse é o primeiro romance da Atwood, publicado em 1969 & que aborda papéis de gênero, liberação sexual, tretas psicológicas & afins. mas! que ela própria avalia como protofeminista e não feminista, já que "não havia um movimento feminista à vista quando eu estava escrevendo o livro em 1965 e eu não sou clarividente, ainda que como muitas na época eu tenha lido Betty Friedan e Simone de Beauvoir atrás de portas trancadas" (texto do prefácio da edição de 1980, que é citada no The Cambridge Companion to Margaret Atwood).

    quem é a tal mulher comestível? BEM. a protagonista é a Marian, que trabalha como revisora de questionários em uma empresa de pesquisas de mercado (já trabalhei como tradutora num lugar assim & a descrição das tretas das pesquisas dando errado é muito realista, hah!), divide um pedaço de uma casa com uma amiga de uma amiga, a Ainsley, & namora um advogado super careta, o Peter. o livro todo tem um foco enorme em comida e bebida, em especial no que a Marian come & como se sente durante/depois.

    no começo, a Marian parece sempre morta de fome: come de tudo com voracidade, bebe um monte, está sempre pensando na próxima refeição, fica fazendo metáforas de tudo com comida. depois, quando as tretas da vida começam a apertar, o corpo dela começa a rejeitar vários alimentos - ela simplesmente não consegue comer, por mais que tente. primeiro, trava ao comer um filé mal-passado, & aos poucos não consegue comer mais nenhum tipo de carne (chega até a pensar na desculpa de dizer que a religião dela não permite comer carne, mas desiste porque daria muito pano pra manga). ela olha pro prato & vê a vida, o bicho, a caça. lembrou a vegetariana, da Han Kan? então. num momento de desespero, enquanto faz uma salada, percebe que não vai conseguir comer uma cenoura: fica imaginando que o vegetal está vivo, que emitiu um grito silencioso quando foi colhido, que está sofrendo enquanto é ralado nas mãos dela. pense o desespero.

    mas o que faz essa virada, numa vidinha que não era exatamente emocionante, mas também não particularmente horrível? depois de levar por meses uma relaçãozinha de boas & sem compromissos com o Peter, ele pede a Marian em casamento. & aí todos os construtos sociais & pressões de grupo sobre o que é ser uma mulher & como performar a feminilidade & papéis de gênero a serem cumpridos desabam em cima dela. em uma cena, um sujeito que faz pós-graduação em literatura faz uma análise (100% macho palestrinha, também muito realista) de como Alice no País das Maravilhas pode ser lido como uma metáfora para uma "crise de identidade sexual": Alice é apresentada a vários papéis de gênero, mas não consegue aceitar nem assumir nenhum deles. dá pra dizer que a mesma coisa acontece com a Marian: ela tem exemplos de conformidade absoluta (a Clara, uma amiga casada que largou a faculdade quando engravidou & já está no terceiro filho) & de disrupção absoluta (a Ainsley, uma femme fatale toda empoderada & psicologizada que decide ter um filho sozinha & dá o contrário do golpe da barriga), mas nenhuma luva cabe na mão dela. (senti um pouco de falta de mais background da família dela, que aparece & some em meia página, talvez porque vi A filha perdida semana passada & ainda estou reverberando a ligação mãe-filha & seus desobramentos, mas, enfim. fiquei pensando.)

    além desses exemplos de mulher-padrão & não-padrão, temos também o hétero top (o Peter, crescendo na carreira, vivendo num apartamento tão novo que ainda nem está pronto, indo a coquetéis & decidindo casar porque todos os amigos já casaram) & o rebeldinho (o Duncan, outro pós-graduando em literatura 50% macho palestrinha, 50% gerador de lero-lero, morando numa república, que relaxa passando roupe & tem aquele papo "que estranho você de maquiagem, ain").

    uma estratégia muito interessante que a Atwood usa, além das mil metáforas de comida que ficam cada vez mais opressoras, é uma virada no ponto de vista narrativo (é uma das piras dela, amo!): quando tudo está bem, no começo, a Marian narra em primeira pessoa. depois que fica noiva & decide deixar as decisões na mão do Peter, a narrativa fica em terceira pessoa, como se a gente & ela também estivessem dissociados, vendo tudo de fora. é só no último capítulo que a narração volta pra primeira pessoa, mas não vou dar o spoiler do que fez a Marian voltar pro corpo, você que vai ter que ir descobrir (:

    em resumo: se você gostou das tretas alimentares de A vegetariana e/ou das discussões de papéis de gênero nos anos 60 do A redoma de vidro, da Sylvia Plath, e/ou quer rir (um pouco de nervoso, um pouco de graça) enquanto julga das decisões alheias, recomendo! 4/5, comida, sexo, (proto)feministo, liberação sexual, identidade, consumismo, caça x caçador, corpos sinistros, frio pra caralho, macho palestrinha, hétero top, anos 60, padrões padrões padrões.

    ah, pra fechar, olhem essas capas maravilhosas de outras edições:



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