o som do rugido da onça

  • autoria: Micheliny Verunschk
  • leitura concluída: ☆☆☆☆

    eita! não acredito que esse é o primeiro livro brasileiro daqui. juro que li mais coisa da Nossa Terra esse ano, só não calhou de ser depois que o bloguinho foi fundado. graças ao Goodreads eu sei que esse ano eu li Desta terra nada vai sobrar..., Torto arado, Controle, Flor de gume, Meu mundo versus Marta, Nove noites & Rua Augusta, vejam só. o principal motivo pra ter esse lugar, inclusive, foi registrar minhas leituras com mais detalhes, porque depois de um mês ou dois eu só lembro se gostei ou não & olhe lá.

    esse livro foi outra indicação do Leia Mulheres Curitiba & que já estava na minha mira desde que foi lançado, no começo do ano, tanto pela capa sinistra (vocês sabem) quanto pela microsinopse que pipocou por tudo quando ele saiu, basicamente: "história de duas crianças indígenas raptadas no Brasil e levadas para a Europa no século XIX".

    como eu mencionei en passant quando falei de As aventuras da China Iron, tenho um histórico familiar indígena confuso & esquecido que posso descrever como a Atwood fez em Os testamentos: "part stealer, part stolen", metade ladrão-metade carga roubada, metade caça-metade caçador, ou, como a Micheliny faz:
    A minha bisavó materna foi pega no laço, sabia? Tenho um tanto de sangue kaiapó em mim. Mas o fato é que todo mundo tem uma avó pega a laço no Brasil, eu, você, o porteiro lá embaixo.
    não sei quase nada da minha bisavó Porfíria, mãe do pai do meu pai, fora que ela foi "caçada", viveu até os 104 anos apesar de fumar cigarro de palha, era parteira & pegava geral enquanto as mulheres estavam de resguardo. também tem alguma coisa indígena do lado da família do meu avô materno, mas tudo que a gente sabe é mais-ou-menos a região onde eles viviam. não tenho memórias, nem fotos, nem causos. minha "ancestralidade" é uma ferida com casquinha fossilizada, que eu cutuco, mas nunca tiro.

    ENFIM. entrando no livro. acompanhar o olhar da Iñe-e saindo da comunidade dela & sendo arrastada pelo Mar Salgado até uma terra de frio & isolamento & desesperança foi uma viagem sofrida & potente & inesperadamente delicada. a linha narrativa pessoas-como-peças-de-museu me lembrou muito o Correntes, mas dessa vez por uma perspectiva lá de dentro. o que é ter toda a subjetividade retirada & se tornar uma coisa entre outras coisas? & como voltar a ser sujeito quanto a história passou por cima de você como um navio a todo vapor? a pesquisa que a Micheliny fez pra montar o universo em que o enredo se desenrola é de altíssimo nível, mas ainda muito acessível, & a estratégia "fantástica" de usar metaformoses & mitologias é de um lirismo levíssimo, que se contrapõe às violências num equilíbrio perfeito.

    o que eu mais & o que eu menos gostei foi a mesma coisa: o jogo de linguagem que é usado pra aproximar & distanciar o leitor da narrativa, da narradora, dos personagens & suas transformações. a ideia de ir mudando o registro, o sotaque & a variante da língua porque "é com ela que se faz possível ferir melhor" é maravilhosa, mas às vezes me pareceu meio forçada & me fez uma parede ao invés de uma ponte.

    se não fosse pela personagem da Josefa, com quem meu santo simplesmente não bateu, podia ser até um 5/5. mas, sendo as coisas como são, ainda é um fortíssimo 4/5. aqui tem: vida em comunidade, homem branco morto, rios falantes, viagens forçadas, viagens místicas, viagens exploratórias, frio pra caralho, cabeças em jarras, culpa, mingau, as forças da natureza, de-onde-vim-pra-onde-vou, menarca do terror, língua como arma, onças maravilhosas.


  • Comentários

    1. Então aqui só fala sobre novos livros lidos? Queria ver um post sobre a rainha do ignoto. Leia novamente.

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      1. Opa, a Rainha merece, né?
        Vou pensar no seu caso com carinho ;)

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