surfacing (o lago sagrado)

  • autoria: Margaret Atwood
  • leitura concluída: ☆☆☆☆

    continuando as (re)leituras do PLAt, esse é o segundo romance da Atwood, publicado em 1972. tudo que eu lembrava da minha primeira leitura dele é que uma mulher ia para uma cidadezinha isolada na beira de um lago para procurar o pai que tinha sumido, viagem na qual aconteciam coisas sinistras. mas eis que o negócio é muito mais sinistro do que eu lembrava. pensa no mulher comestível, mas no mato & com a protagonista degringolando ainda mais rápido das convenções sociais. temos novamente o questionamento dos papéis de gênero da época & uma discussão ainda mais aprofundada da relação humanos-animais-natureza. uma pitadinha de ecocrítica? talvez!

    pra começar: nossa narradora-protagonista (em primeira pessoa, jamais nomeada) vai sim pra beira do lago (isoladíssimo, sem água encanada, nem eletricidade, nem vizinhos, nem nada "civilizatório") pra ver qualé do pai desaparecido. mas não sozinha. ela pega carona com um casal de amigos que supostamente é a felicidade encarnada, mas é obviamente infeliz, co-dependente, passivo-agressivo etc: David, um ultranacionalista chatíssimo que tem mania de imitar a risada do Pateta(!), & Anna, que meio apoia/meio julga tudo que a protagonista faz & levanta de madrugada pra colocar maquiagem porque o marido supostamente nunca viu ela sem.

    de brinde vai também o namorado da narradora, Joe, um "artista" de vasos de cerâmica que morre de inveja do trabalho dela como ilustradora & tenta forçar compromissos que ela claramente não quer assumir. ainda tem todo um paranauê de o lago ficar no Quebec, que na época estava super a fim de ser uma nação francófona independente, em contraste com a família anglófona que construiu a cabana & levas de turistas estadunidenses largando lixo & matando bichos aleatoriamente & em geral sendo OS PIORES.

    não bastando! a protagonista tem um background de divórcio, affair com homem casado & infância com família itinerante que impede que os filhos formem laços & socializem (o que é semiautobiográfico & reaparece em outros livros, como meu favoritíssimo Cat's eye, já que os pais da Atwood também passavam metade do ano cavocando nas florestas - o pai era entomologista - & ela só começou a estudar em escola regular aos 12 anos). nossa heroína sem nome também tem habilidades ninjas de sobrevivência: mergulha no lago gelado, pesca & mata peixes enormes, navega em canoa, coleta cogumelos, reaproveita os restos da horta abandonada, cavoca banheiro improvisado. em tudo que ela faz, dá para ver um respeito sincero pela floresta, as plantas & os animais, nada daquele papo "mãe natureza me ama", mas mais na vibe "somos bichos que tentam esquecer como ser bichos porque na ordem natural das coisas estamos lááá embaixo".

    & o tal pai, que sumiu? pois então, ele tinha passado um tempão isolado & só deixou uns desenhos bizarríssimos na cabana, onde nosso quarteto de amigos passa uma semana de conversas medonhas, pescarias tensas, cadernos de recortes sinistros & tensão sexual. a gente é levado a imaginar o pai sumido, louquíssimo, espreitando & atocaiando a cabana a qualquer momento. enfim, férias relaxantes, né?

    para evitar spoilers das reviravoltas inesperadas da história, paro aqui. 4/5, natureza, sobrevivência, memórias de infância, pássaros, papéis de gênero, casais babacas, filmes amadores, o que é loucura?, fuga da cidade, isolamento, malditos ianques, água água água, tensão, espreitar & ser espreitado, cavocar a terra, comida em lata, ambientalismo iminente.

    ah! como curiosidade: a edição brasileira saiu em 1989 pela Globo, com tradução de Cacilda Ferrante & adaptação(!) do Caio Fernando Abreu, & tem essa capa louquíssima:

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